Uns dizem que você é o que você come, outros dizem que você é o que você veste, e tem ainda a máxima: diga-me com quem andas e te direi quem és... Somos um pouco de tudo isso e bem mais. Recentemente, ao escrever sobre a Casa Cor em meu blog, uma leitora lembrou que a casa da gente também revela se gostamos de nós mesmos. Concordei no ato. O lugar onde a gente mora nos entrega.
Logicamente que não podemos incluir nesse assunto as inúmeras pessoas que moram embaixo de viadutos ou em barracos, porque isso não diz quem elas são, e sim como elas estão: jogadas à própria sorte, sem assistência, vítimas do descaso e da desigualdade social - é quase impossível manifestar personalidade em meio à miséria.
Mas quem tem um cantinho todo seu e o mínimo de possibilidade de fazer escolhas, pode dar-se a conhecer através do lugar onde vive. Eu, ao menos, quando entro na casa de alguém, é como se tivesse em mãos uma radiografia do morador.
Tenho uma amiga que não nasceu em berço esplêndido e está sempre com o saldo no vermelho. No entanto, mora sozinha numa pequena casa que é uma graça: decorou com a "sobra" da casa dos outros, com materiais reaproveitados e muita imaginação. É um dos lugares onde me sinto mais à vontade. O ambiente tem a cara dela, que é uma mulher batalhadora, criativa e incomum.
Mesmo quando decoradores e arquitetos são acionados - e fazem um trabalho excelente - ainda assim é fundamental colocar algo de si próprio no lugar a que chamamos de lar. Não é possível que um profissional sugira o tipo de flor que mais "combina" com o projeto dele ou que determine os quadros e fotos que devem ficar expostos. O ambiente fica com a cara do sujeito, e não dos proprietários. Sem um toque pessoal, um apartamento pode ficar perfeito para ser fotografado para uma revista, mas não parece que alguém almoça, dorme, namora, sofre, dança, vive ali.
Desconfio de ambientes austeros, monótonos, sem nenhum humor. Não me parece o refúgio de gente feliz. As pessoas compram um sofá, duas poltronas, uma sala de jantar, um tapete, uma mesa de centro e acham que isso basta para se instalar. Basta, realmente, mas onde fica a graça da coisa, onde está o toquezinho de irreverência e alegria? É aí que entram os panos, as velas, as flores, as fotos, as almofadas, as plantas, os objetos trazidos de viagem ou comprados em feirinhas de rua, as garrafas descombinadas, as paredes coloridas, os espelhos, os abajures em vez de luz direta e, imprescindível: os livros!!! Uma casa sem livros é uma casa nua, árida. A primeira coisa que reparo é se, mesmo num espaço requintado, dá pra sentir no ar o prazer de se estar vivo. Se existe, ele não estará revelado nas torneiras de ouro, nos brocados do sofá ou no veludo das cortinas (esse é o prazer do status e do luxo) e sim no oposto disso: no valor dado à iluminação (casas escuras são mausoléus), nos vestígios de cultura (discos, instrumentos, telas, esculturas, artesanato, tudo à vista!) e num estilo que pode tranquilamente estar na contramão do que é considerado "in", desde que seja coerente com a alma de quem dispõe daqueles muitos ou poucos metros quadrados.
Sei que há aqueles que justificam ambientes insossos dizendo que "é casa de gente idosa" ou "é casa de quem trabalha demais" ou ainda "é casa de homem que mora sozinho, falta o toque feminino". Não é preciso toque feminino, nem juventude, nem tempo sobrando - nem mesmo dinheiro sobrando: até a bagunça pode ser charmosa, até o vazio pode ser uma proposta interessante, até o antigo pode ser uma novidade, desde que o dono da casa tenha um mínimo de apreço à estética, à vida e a si mesmo. Se eu trabalhasse numa prefeitura, só liberaria o habite-se para quem se habita.
segunda-feira, 4 de agosto de 2008
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