“ É impossível viver sem ele. Faz parte da cultura popular e desestressa a vida, então o jeito é não sermos hipócritas, respeitá-lo dentro dos princípios da liberdade de expressão e manter uma certa razoabilidade no seu emprego”
Você vai achar que eu sou natural de Júpiter, mas a verdade é que passei minha infância sem ouvir palavrões dentro de casa. Ouvia no colégio, nos parques, na casa das amigas, mas minha família era monástica nesse sentido. Meu irmão não dizia, minha mãe não dizia, e meu pai muito menos. Ele achava feio até mesmo dizer "que saco".
Até que cresci e os palavrões começaram a ser mais aceitos, desde que nunca como forma de ofensa e agressão. Apenas como manifestações de enfado, raiva ou em momentos de total descontração e humor. Mas da boca do meu pai, nunca ouvi, até hoje. E é o que basta para esse tema me despertar certo fascínio.
No Brasil, já foram catalogados mais de 3 mil palavrões. Na França, 9 mil. Na Inglaterra existe até o Dicionário de Insultos em Cinco Línguas, o primeiro guia prático destinado a turistas que são obrigados a lidar com bagagens perdidas, reservas malfeitas, café frio, serviço ruim e contas exorbitantes. Poucos são os que ainda negam a utilidade do palavrão para radiografar uma determinada sociedade, seus costumes e tendências.
Até alguns anos atrás, era de Jorge Amado o recorde de uso de palavrões por um único autor brasileiro, mas creio que esse feito já deve ter sido ultrapassado, pois é um recurso cada vez mais recorrente na nossa literatura, assim como no teatro e no cinema. Aliás, o cinema brasileiro, na década de 70, atormentou nossos ouvidos com o uso indiscriminado do palavrão. Compreende-se: no auge da repressão, o palavrão era uma resposta ao silêncio, aliviava tensões, funcionava como catarse, mas abusaram. Hoje ele é usado com mais pertinência e adequação, o que não significa comedimento: filmes como “Cidade de Deus” e “Tropa de Elite” seriam completamente absurdos se não reproduzissem fielmente a linguagem das ruas e dos morros.
Eu não ouvia palavrão em casa, mas lia muito Charles Bukowsky, então me salvei. Hoje solto meus palavrõezinhos fraternos em situações rotineiras e grito impropérios em momentos de alta tensão, o que me torna uma pessoa razoavelmente normal. Ainda assim, ainda há uma menininha dentro de mim que se sente desconfortável com exageros. Dercy Gonçalves, por exemplo: foi uma grande comediante, uma das figuras mais emblemáticas do teatro brasileiro, e tinha tiradas fantásticas como "eu só vou morrer quando eu quiser", uma das minhas preferidas. Mas ficou imortalizada pelo seu desbocamento, que nada mais era do que um recurso para sobreviver no meio artístico por mais tempo. Lamento que sua irreverência natural tenha se transformado em bordão. Apesar de eu ter me libertado da severidade familiar no quesito vocabulário, ainda hoje me incomoda o palavrão que não é espontâneo, que faz parte da caracterização de um personagem. Em vez de engraçado, torna-se patético.
De qualquer forma, é impossível viver sem ele. Faz parte da cultura popular de qualquer país e desestressa a vida, então o jeito é não sermos hipócritas, respeitá-lo dentro dos princípios da liberdade de expressão e, de preferência, manter uma certa razoabilidade no seu emprego. Quando solto algum palavrão mais grosseiro na frente das minhas filhas, peço desculpas. Na presença de pessoas de mais idade, evito a qualquer custo. E diante do meu pai, nem * %$#}* $#.
segunda-feira, 4 de agosto de 2008
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