quinta-feira, 28 de maio de 2009

Caneta ou Ferramenta? - Frei Betto

"A falta de motivação é a principal causa de desinteresse por cursos
profissionalizantes . O Brasil é o reino do improviso"

Quantos advogados você conhece? Uns tantos, certamente. Mas na hora de
socorrer o seu computador pifado, consertar o vazamento da pia da
cozinha ou traduzir-lhe o manual de funcionamento do novo televisor,
que você lê, lê e não entende, a quem recorre?

O Brasil é uma nação de bacharéis. Como abrigamos a mais longa
escravidão das três Américas – 350 anos –, ainda guardamos, do período
colonial, resquícios elitistas, como julgar que profissões técnicas
são para incompetentes que não chegam a doutor... Boa profissão é a
que domina a caneta, e não a ferramenta.

Você sabia que de cada 100 brasileiros( as) no mercado de trabalho,
72,4% (ou exatos 71,5 milhões de pessoas) nunca fizeram um curso
profissionalizante? Entre os desempregados, 66,4% (5,3 milhões de
pessoas) nunca passaram por um curso de educação profissional. O dado
é do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgado
no dia 22.

O mais grave é o poder público, como diria aquele deputado do Conselho
de Ética, estar “pouco se lixando” para a qualificação de nossos
trabalhadores. Segundo o IBGE, em 2007, apenas 22,4% dos alunos de
cursos profissionalizantes estavam matriculados em escolas públicas.
Dos que buscam tais cursos, 53% dependem de ofertas de organizações
não governamentais, sindicatos e instituições particulares. O famoso
Sistema S (como Senai, Senac, Sebrae), que recebe robustas verbas do
governo, forma apenas 20% dos interessados em qualificação.

Mesmo os cursos existentes nem sempre primam pela qualidade. Entre os
matriculados, 80,9% frequentavam cursos que não exigiam escolaridade
prévia... O que explica o alto número de analfabetos virtuais em
profissões técnicas. Consertam a geladeira, mas são incapazes de
redigir um bilhete explicando a causa do defeito.

Na mesma pesquisa, o IBGE constatou que são analfabetos 13,5 milhões
de brasileiros( as) (9,5% da população) com mais de 15 anos. E de 1,8
milhão que frequentavam salas de aula, 810 mil (45%) admitiram não
saber ler nem escrever um simples recado.

A falta de motivação é a principal causa de desinteresse por cursos
profissionalizantes . O Brasil é o reino do improviso. O auxiliar de
eletricista aprende na prática, assim como o de cozinha acredita que,
amanhã, a intimidade com o fogão fará dele um chef. Muitos (14,1%)
admitiram não poder pagar um curso dessa natureza. E 8,9% se queixaram
da falta de escola na região.

Dos alunos em cursos profissionalizantes , 17,6% frequentavam cursos
técnicos de nível médio. E apenas 1,5% cursos de graduação tecnológica
equivalente ao nível superior. O mais procurado é o curso de
informática (41,7%), seguido de comércio e gestão (14%) e indústria e
manutenção (11,2%). Ao todo, 215 mil estudantes, o que representa um
índice muito baixo dada as dimensões do país e de suas necessidades.

Esse quadro explica, em parte, a razão do nosso subdesenvolvimento –
ou eterna situação de país emergente. O Ministério da Educação (MEC)
promete que, até o fim de 2010, o Brasil passará de 185 mil para 500
mil vagas em cursos profissionalizantes . As escolas – hoje, 140 –
serão 354.

Um das causas dessa realidade preocupante foi a lei de 1988, proposta
pelo presidente FHC e aprovada pelo Congresso, que proibiu a União de
criar novas escolas técnicas federais. Felizmente, Lula a revogou em
2005.

Falta ao atual governo corrigir outro erro crasso: o EJA (Educação de
Jovens e Adultos, que substituiu o antigo supletivo), embora acolha
trabalhadores em suas aulas, não propõe educação profissionalizante.
Isso explica o alto índice de evasão – 42,7% dos matriculados não
concluem o curso, sobretudo no Nordeste (56%).

Muitas vezes, o horário das aulas coincide com o do trabalho (o que
induz à evasão de quase 30% dos alunos), e a metodologia de ensino
ignora Paulo Freire e os recentes avanços da educação popular.

O Brasil precisa trocar o PAC – Programa de Aceleração do Crescimento
– pelo PAD, Programa de Aceleração do Desenvolvimento, sobretudo
humano. Sem recursos humanos qualificados, uma nação está fadada a
sempre depender do mercado externo e, portanto, do jogo cruel da
especulação internacional, da flutuação de divisas conversíveis e das
concessões aos importadores, que jamais abrem mão de suas políticas
protecionistas.

Sem educação o Brasil não tem solução. Nem salvação.

Frei Betto é escritor, autor, em parceria com Paulo Freire e Ricardo
Kotscho, de Essa escola chamada vida (Ática), entre outros livros, e
um dos fundadores do movimento Todos pela educação.


(Estado de Minas, 28/05/2009)

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